Um dos meus preferidos, e não preciso dizer o porquê... basta ler... LER...
Implosão da mentira...
Mentiram-me.
Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impunemente. Não mentem tristes... Alegremente mentem.
Mentem tão nacionalmente que acham que mentindo história afora vão enganar a morte eternamente.
Mentem, Mentem e calam... Mas suas frases falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver a verdade em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura.
Evidentemente a crer nos que me mentem uma flor nasceu em Hiroshima e em Auschwitz havia um circo permanente.
Mentem, Mentem caricatura-mente. Mentem como a careca mente ao pente, mentem como a dentadura mente ao dente, mentem como a carroça à besta em frente, mentem como a doença ao doente, mentem claramente como o espelho transparente.
Mentem deslavadamente, como nenhuma lavadeira mente ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem com a cara limpa e nas mãos o sangue quente.
Mentem ardentemente como um doente em seus instantes de febre. Mentem fabulosamente como o caçador que quer passar gato por lebre. E nessa trilha de mentiras a caça é que caça o caçador com a armadilha.
E assim cada qual mente industrialmente, mente partidáriamente, mente incivilmente, mente tropicalmente, mente incontinentemente, mente hereditariamente, mente, mente, mente.
E de tanto mentir tão bravamente constroem um país de mentira diariamente.
Mentem no passado. E no presente passam a mentira a limpo. E no futuro mentem novamente.
Mentem fazendo o sol girar em torno à terra medievalmente. Por isto, desta vez, não é Galileu quem mente, mas o tribunal que o julga heregemente. Mentem como se Colombo partindo do Ocidente para o Oriente pudesse descobrir de mentira um continente.
Mentem desde Cabral, em calmaria, viajando pelo avesso, iludindo a corrente em curso, transformando a história do país num acidente de percurso. Tanta mentira assim industriada me faz partir para o deserto penitentemente, ou me exilar com Mozart musicalmente em harpas e oboés, como um solista vegetal que absorve a vida indiferente. Penso nos animais que nunca mentem, mesmo se tem um caçador à sua frente.
Penso nos pássaros cuja verdade do canto nos toca matinalmente.
Penso nas flores cuja verdade das cores escorre no mel silvestremente.
Penso no sol que morre diariamente jorrando luz, embora tenha a noite pela frente.
Página branca onde escrevo. Único espaço de verdade que me resta. Onde transcrevo o arroubo, a esperança, e onde tarde ou cedo deposito meu espanto e medo.
Para tanta mentira só mesmo um poema explosivo-conotativo onde o advérbio e o adjetivo não mentem ao substantivo, e a rima arrebenta a frase numa explosão da verdade.
E a mentira repulsiva se não explode para fora para dentro explode... Implosiva.
Affonso Romano de Sant'Anna
O que não entendem é que a mentira tem o peso do infinito, alimenta-se de mais mentiras, e quando se para, para pensar,
"o que raramente acontece", já se vê, em um segundo plano, um mundo ilusório, e pode sim ser assustador, além do mais perturbador, e vai por mim, as palavras que terminam em dor, realmente doem...
A mentira só é bonita na história do Pequeno Pinóquio...
Val Vince...
Vim agradecer tua visita e também tornar-me seguidora. Adorei o blog e o texto está lindo... puro e delicado.
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